De Athanagild, por Tàgilde até Tagilde

"Não querendo de modo algum questionar o trabalho de investigação de João Gomes de Oliveira Guimarães, por este ensaio recolhem-se indícios que aprofundados poderão trazer revelações de máximo interesse para o estudo das origens de Tagilde. Por agora não tenho mais recursos para levar adiante este ensaio. Quero porém partilhar que a única fonte de estudo utilizada foram documentos dispersos na Internet e de acesso livre. Ao assunto voltarei logo que tenha mais elementos."

O topónimo Tagilde é amplamente abordado na literatura antiga sendo invariável a aceitação da sua origem como associado ao vocábulo Atanagildo, ou na sua forma primitiva Atanagildus ou Atanagildi. No livro “Coreografia Portugueza e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal”, publicado em 1706 e escrito pelo Padre António Carvalho da Costa, é dito que S. Salvador de Tagilde tomou o nome do Rei godo Atanagildo que mandou povoar aquela povoação em 560.
João Gomes de Oliveira Guimarães, Abade de Tagilde, rebate o ponto de vista dos escritores antigos. Na sua publicação “Tagilde – Memória Histórico-descriptiva”, publicada em 1894, argumenta que esses escritores assumiram que Tagilde foi mandada povoar pelo Rei Atanagildo sem aprofundarem com o devido cuidado essa suposição. O Abade de Tagilde afirma que provavelmente estes escritores viram documentos do séc. X onde se refere o nome villa Atanagildi e sem mais associaram-no ao Rei Godo atribuindo-lhe a sua fundação. Para sustentar a sua tese, o Abade de Tagilde refere que a conquista dos godos nos meios rurais não aconteceu em toda a plenitude e por isso as populações locais permaneceram ainda que por vezes possam ter abandonado as suas casas para se refugiarem das tormentas até que passassem. O mesmo terá sucedido durante a reconquista do Rei asturiano D. Afonso I. O Abade afirma que estes eram tempos sem lei nem autoridade e que por isso não é improvável pensar que algum senhor chamado Atanagildo (nome comum na época) se tivesse apoderado deste território e aqui tenha edificado uma torre para protecção dos casais espalhados pelas três villas, atanagildi, Santiago de Padroso e Villa-Corneira. O autor continua dizendo que os colonos protegidos pela torre de Atanagildo terão desenvolvido a localidade que aos poucos tomou o nome do seu senhor. Oliveira Guimarães ainda sustenta esta sua tese pelo facto de existir em Tagilde uma propriedade que conserva o vocábulo torre: a Quinta da Torre.
Havendo pois discordância quanto ao Atanagildo que dei o nome à terra, parece no entanto não haver dúvidas quanto ao vocábulo original Atanagildi, nome próprio de origem germânica. O Instituto da Língua Galega publicou em 2004 “Língua Galega, História e Actualidade – Actas do I Congresso Internacional”, na acta referente à conferência “Galícia Germânia” de Dieter Kremer do Centro Galego da Universidade de Trier, o qual diz que o facto uma localidade ter um nome de origem visigoda, não implica que tenha sido fundada ou habitada por um godo, indica pois que em dada época da idade média esta tenha sido propriedade de um indivíduo de nome visigodo. O mesmo diz que é tradição muito antiga denominar lugares segundo o seu proprietário. Explica depois a mecânica de evolução nominal e exemplifica com villa Atanagildi vindo daqui a derivar Tagilde e Tangil. Ainda explica que este processo foi activamente produtivo até ao séc. IX.
Atanagildi será pois uma latinização do termo original germânico Athanagild, que em linguagem corrente e actual denominamos Atanagildo.
Se os investigadores modernos consideram que a denominação Tagilde provém de um antigo senhor possuidor de terras naquela localidade, outros mais antigos atribuem a sua fundação ao rei visigodo Atanagildo. Em 1821, Luigi Bossi escreve em “Storia della Spagna”, que o rei Atanagildo teve um reinado muito turbulento de guerra contínua e que morreu de doença perto de Guimarães numa localidade nas margens do rio Vizela chamada Atanagildo, a qual talvez tenha fundado. Continua dizendo que ainda hoje se vêm nesta localidade vestígios de uma construção gótica a que também chamam palácios, segundo Resenda e que segundo Mariana se trata de uma construção romana muito antiga. Também em “Las Glorias Nacionales: Grande Historia Universal de todos los Reino, Províncias, Islas, Y Colónias de la Monarquia Espanola”, o Doutor D. Manuel Ortiz de La Vega escreveu em 1853, com toda a certeza baseando-se nas mesmas fontes que o anterior escritor, que a quatro léguas de Guimarães sobre as margens do rio Vizela, há um lugar chamado Atanagildo, que se crê tomou o nome deste rei. Aí aparecem fundações e paredes muito antigas que comummente se chamam palácios e são de construção manifestamente gótica e não romana. Aí também existem outros restos de antiguidade como refere o maestro Andrea Resendio na sua epístola latina que escreveu a Bartolomé de Quevedo.
Andrea Resendio (André Resende), autor citado em ambas as obras referenciadas, foi um investigador português que viveu em Évora, nascido no ano de 1498 e morreu em 1573. Alexandre Herculano escreveu em “História de Portugal” que André Resende foi o maior e mais judicioso antiquário português do século XVI.
André Resende, no século XVI, defendeu a teoria de que Tagilde foi fundada pelo rei godo Atanagildo e manifestou essa sua defesa numa carta dirigida a Bartolomé de Quevedo, cónego espanhol de Toledo. Assim as construções antigas que o mesmo diz serem dos godos estariam a descoberto no século XVI e não terão chegado ao nosso tempo, ou então talvez se encontrem soterradas desconhecendo-se a sua localização. Cruzando esta teoria, com a de João Oliveira Guimarães há um elemento comum que é de apreciar, ambos fundamentam as suas conclusões na existência de construções, o primeiro nos à época designados palácios, e o segundo nas origens da Quinta da Torre. Outro pormenor que convém reter, é de que a Quinta da Torre já existia pelo menos em 1569, sendo seu proprietário Baltasar Vieira do Desembargo do Rei D. Sebastião e era na época uma quinta de muito prestígio, época essa contemporânea de André Resende.
Por outro lado, André Resende faz referência a que Atanagildo morreu de doença em Tagilde. Este detalhe parece querer afirmar que André Resende estaria na posse de informações com algum detalhe. A História diz que Atanagildo foi rei dos Visigodos com corte na cidade de Toledo. Foi sucessor de Ágila I, o qual derrotou e matou em batalha travada em 554 nos arredores de Sevilha e ao longo do seu reinado defrontou bizantinos, francos, suevos e bascos. Atanagildo conseguiu reforçar a coesão interna do reino apaziguando os católicos que até então tinham sido perseguidos pelos arianos, continuando porém a professar o arianismo. Morreu em 567 de causas naturais, o que era raro para um rei da época.
Aprofundando a teoria de André Resende, questiona-se a razão pela qual localizou a morte de Atanagildo em Tagilde. Terá sido apenas porque no século XVI aí existia uma povoação com um nome derivado de Atanagildo? Para encontrar a resposta é preciso saber que outras localidades existem com o nome derivado de Atanagilde.
Em 1753 o Padre João Batista de Castro publicou “Mapa de Portugal Antigo e Moderno” onde menciona uma localidade chamada Tagilde no percurso entre Gouveia e Viseu, nas imediações de Mangualde. Certamente o autor referia-se a Fagilde, uma aldeia nas margens do rio Dão pertencente à freguesia de Fornos de Maceira Dão. Sobre as origens desta aldeia nada foi possível descobrir.
Neste ensaio já se fez referência a “Língua Galega, História e Actualidade – Actas do I Congresso Internacional” na qual se disse que Tagilde e Tangil têm origem em villa Atanagildi, pelo que se descobriu-se a freguesia de S. Salvador de Tangil no concelho de Monção, nas fraldas da serra da Peneda nas margens do rio Vez. Sobre esta soube-se que no século XII era conhecida como Taagilde, “Collatione Sancti Salvatoris de Taagilde”, conforme o texto das Inquirições de 1258. Segundo a resenha histórica publicada no sítio da Internet da Câmara Municipal de Monção, Tangil é o genitivo do nome pessoal de origem germânica Athanagildu(s), de modo que assim fica comprovado que ali houve uma propriedade de um indivíduo com esse nome, vários séculos antes da nacionalidade. O pároco desta freguesia em 1758 refere a existência de vestígios de três torres medievais.
Ainda no decorrer desta investigação, no “Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa”, publicado em 1930, sendo o seu autor José Joaquim Nunes, diz-se que Taíde, tem a mesma origem que Tagilde. Numa volta pelo mapa de Portugal pode encontrar-se Taíde no concelho da Póvoa de Lanhoso a qual fica separada do concelho de Guimarães pelo rio Ave. Em Taíde existe um importante santuário mariano, Santuário de Porto d’Ave. Nada mais foi possível sondar sobre o passado ancestral desta freguesia a não ser que existem vestígios de um povoado da idade do ferro e outros de romanização.
Se sobre Fagilde e Taíde nada se pode concluir, quanto a Tangil desde logo se destacam três pontos comuns com Tagilde, a mesma filologia, o mesmo orago e a existência de vestígios de antigas construções senhoriais. Não obstante, porque razão André Resende atribuiu a Tagilde a sua fundação ao rei visigodo e não a qualquer uma das outras freguesias com a mesma filologia? Se acaso não o fez sem critério, André Resende talvez tenha partilhado com Bartolomeu de Quevedo indícios que levaram a tal conclusão. Não tendo mais conhecimentos sobre o conteúdo da correspondência entre ambos, embora possa apontar o estudo de mestrado de Virgínia Soares Pereira como uma possibilidade futura para aprofundamento do tema, decerto que trocavam impressões sobre antiguidades de interesse comum. Nesse sentido, e sendo Bartolomeu de Quevedo sacerdote na cidade de Toledo terá sido por certo do seu interesse o estudo do rei Athanagildus pois a sua corte havia estado instalada na mesma cidade espanhola. Daqui se supõe que André de Resende pudesse de facto ter indícios concretos para sustentar as suas conclusões.
Não querendo de modo algum questionar o trabalho de investigação de João Gomes de Oliveira Guimarães, por este ensaio recolhem-se indícios que aprofundados poderão trazer revelações de máximo interesse para o estudo das origens de Tagilde. Por agora não tenho mais recursos para levar adiante este ensaio. Quero porém partilhar que a única fonte de estudo utilizada foram documentos dispersos na Internet e de acesso livre. Ao assunto voltarei logo que tenha mais elementos.
Ainda antes de terminar ficam umas achegas à forma como se diz Tagilde. Em “Lições de Filologia Portuguesa” de José Leite Vasconcellos e Serafim da Silva Neto diz-se que se escreve geralmente Tagilde, mas melhor seria escrever Tàgilde para não induzir em erro de pronúncia as pessoas que não conhecem. Por outro lado, na “Revista Ocidente”, no seu número 105 de 1938, J.M. Vaz questiona a forma de dizer Tagilde, sendo que a revista responde que se deve pronunciar com a aberto e assim se diz correctamente. A mesma revista explica depois da crase dos dois aa fechados, Taagilde, ficou Tàgilde, mas escrever com acento já não era a regra mesmo antes do acordo ortográfico ultimamente aprovado.

Comentários

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